Ditadura Argentina

Jornal argentino ‘La Nación’ noticiando o título argentino
Jornal argentino ‘La Nación’ noticiando o título argentino.

Ditadura Argentina e Copa do Mundo: A relação que escondeu milhares de mortos

Copa do Mundo de 1978: Propaganda e tragédia escondida

Nesta aba, falaremos sobre Copa do Mundo de 1978, e como a ditadura Argentina usou o campeonato para fazer propaganda, e desviar a atenção dos sumiços e de mais de 30 mil assassinatos.

Vamos começar pelo contexto histórico. Para isso, vamos voltar para 1946, onde Juan Domingo Perón foi eleito presidente da Argentina, cargo que ele ocupa até 1955, quando é deposto por um golpe militar. Este golpe foi realizado pois a relação do país latino com os Estados Unidos estava muito enfraquecida. Pelo fato da grande potência, principal símbolo do capitalismo, ter se distanciado deles, um medo de uma ameaça comunista no poder se espalhou pelas forças armadas, que acabaram exilando Perón para a Espanha.

Seguindo adiante, em 1973, um peronista (apoiadores e pessoas que seguiam a linha de pensamento político de Perón) assume a presidência. Hector Cámpora, que durante sua campanha prometeu que, se eleito, traria Perón de volta para a Argentina, cumpriu a promessa. Cámpora foi eleito e renunciou no mesmo ano, deixando o cargo para o ex-presidente.

Uma controvérsia entre os peronistas era a divisão entre esquerdistas e direitistas, e na recepção de Juan Perón, o encontro desses dois grupos políticos resultou em confusão, com mortes e feridos. Seu mandato durou apenas dois anos, pois ele já estava doente, e faleceu, deixando a presidência para sua esposa, María Estela, popularmente conhecida como Isabelita.

O historiador Alfredo Rosa conta que, após tomar posse, mesmo Isabelita demonstrando ser de direita, os militares aplicaram outro golpe militar para tirá-la do poder: "Deram um golpe nela porque ela não estava usando mão muito pesada contra as esquerdas peronistas, entendeu? Então os militares ficaram com medo da radicalização e perceberam que ela era fraca politicamente, por isso foi fácil derrubá-la".

Com isso, em 1976, iniciaram-se os anos da ditadura argentina, que acabou sendo mais pesada e violenta que a brasileira. O jornalista da ESPN, Breiller Pires, comenta sobre essa diferença entre as duas: "Era um contexto parecido com o do Brasil dos anos 70, o regime militar na Argentina. É difícil fazer uma gradação, porque são todos regimes autoritários, regimes violentos, mas na Argentina, no final dos anos 70, foi realmente um banho de sangue. Houve uma perseguição ferrenha aos opositores e muitos assassinatos."

Um ponto crucial foi a Operação Condor, que, segundo Breiller, “foi uma colaboração entre os regimes militares, principalmente de Argentina, Chile e Brasil, para realmente dominar, de certa forma, o cenário político do continente.” Essa aliança entre os governos autoritários intensificou a repressão política em toda a América do Sul, e o impacto foi devastador, especialmente na Argentina.

Dado esse contexto, podemos abordar a relação entre o governo argentino e a Copa do Mundo de 1978. Essa edição foi amplamente utilizada pelo governo da época e também era muito aguardada pelos argentinos, já que, até então, eles nunca haviam vencido o campeonato mundial. Alfredo Rosa comenta: “Eles já tinham conseguido a Copa do Mundo em 76 para realizar em 78. E, com isso, a ditadura fez de tudo para que o troféu ficasse na Argentina, afinal de contas, o maior rival deles, o Brasil, já tinha três campeonatos”.

Breiller complementa: “Naquele momento, a Argentina não tinha um título mundial, e isso era considerado uma humilhação para os argentinos, algo que feria muito o orgulho deles pela rivalidade que existia com o Brasil”.

La Nación falando da longa espera argentina
La Nación falando da longa espera argentina.

Bom, além da importância que o título tinha para a população, ele seria extremamente importante para o governo, pois eles poderiam usá-lo como propaganda política para o mundo todo, desviando a atenção das violações, assassinatos e perseguições que aconteciam firmemente no país.

No momento em que a Copa acontecia, Jorge Rafael Videla Redondo era o responsável por presidir o país. Ciente de que tinha uma grande ferramenta de propaganda em mãos, ele já tentava aproximar sua imagem ao futebol, assim como Médici fez no Brasil em 1970. Dessa maneira, Videla fazia declarações dizendo que estaria no obelisco quando a seleção fosse comemorar com a população e, inclusive, se aproximou bastante do elenco, mas não exatamente como um bom moço. Breiller relata: “Tem até o Batista [jogador brasileiro] contando que era muito comum os jogadores argentinos receberem a visita, não só de Videla, mas de outros generais do governo, na concentração, antes e depois dos jogos, parabenizando, passando confiança, mas como uma forma de pressão, de mostrar para eles: 'olha, se vocês não ganharem essa Copa, haverá consequências.'”

A pior parte, que mais evidencia o uso do Sportswashing pela ditadura, foi a interferência direta que o governo teve nos bastidores do campeonato. Breiller e Alfredo comentam bastante sobre isso, principalmente sobre a goleada da seleção argentina por 6x0 contra o Peru.

La Nación falando sobre a rivalidade Brasil x Argentina
La Nación falando sobre a rivalidade Brasil x Argentina.

Este placar mostrou o que parecia ser uma superioridade gigante da seleção anfitriã e, embora seja uma grande quantidade de gols, poderia ser visto como algo natural, algo que pode acontecer em uma Copa do Mundo. No entanto, foi um jogo em que a seleção da casa precisava de uma vitória expressiva para se classificar, contra uma equipe que não era qualquer adversária. Alfredo comenta: “Teve aquele famoso jogo do Brasil contra o Peru, em que o Brasil venceu, depois empatou com a Argentina, e a Argentina goleou o Peru. Mais tarde, o próprio goleiro do Peru, alguns dizem que ele admitiu, outros dizem que ele não admitiu, que ele tinha recebido uma grana para entregar o jogo. Afinal de contas, eles perderam por uma margem pequena para o Brasil e, em seguida, levaram uma goleada da Argentina. Entendeu? E o Brasil tinha empatado com a Argentina. Então, pela lógica, não fazia sentido que fosse uma goleada de seis, né?”

Folha da Noite falando sobre o primeiro jogo do Brasil na Copa de 78
Folha da Noite falando sobre o primeiro jogo do Brasil na Copa de 78.

A partir daí, já dava para saber que o caminho não seria fácil para ninguém.

Traçando mais uma vez a comparação entre a Copa de 1970, durante a ditadura brasileira, e a Copa de 1978, temos mais uma vez algo em comum: o uso do título para promover o ufanismo. Como Breiller diz: “O orgulho de ser argentino, de mostrar para o povo como a seleção argentina representava os valores do regime militar.” Esses valores, como Breiller comenta, eram ligados a um futebol de disciplina, que se distanciava do futebol-arte jogado pela seleção brasileira de 1970, priorizando a eficiência e os resultados.

Todos esses movimentos do governo para distrair o mundo do que realmente estava acontecendo no país funcionaram. Alfredo diz que, durante dois anos, não se falava nada sobre a ditadura. De 1978 até 1980, ninguém sabia o que realmente acontecia por lá: “Eles só falavam: 'nossa, ganhamos a Copa! Nosso país é excelente!' E isso durou só dois anos. Foi só até 1980. Aí, em 1980, o pano caiu e mostrou a verdadeira face do que era o regime. Aí o pessoal começou a olhar direitinho o que estava acontecendo na Argentina. E, devido à crise econômica, que não dá para esconder, não dá para tapar, a crise de 1980 e 1981 começou a expor a realidade. Aí, o pessoal começou cada vez mais a pressionar o governo argentino.”

La Nación mostrando o capitão da equipe levantando a taça
La Nación mostrando o capitão da equipe levantando a taça.